Cozinha
Os objetivos gerais de quaisquer mudanças na cozinha serão sempre ajudar a pessoa com demência a manter-se o mais independente possível, garantir a sua segurança e promover e facilitar o seu envolvimento e oportunidades de participação nas tarefas diárias.
Alguns objetivos mais específicos serão:
- Que a pessoa encontre com facilidade os objetos, alimentos e aparelhos que precisa para realizar as suas tarefas diárias;
- Que a pessoa se recorde das tarefas que tem de fazer e dos passos necessários para as realizar, e de como utilizar alguns eletrodomésticos de forma segura;
- Que se reduzam os riscos de confusão, quedas, queimaduras, incêndio ou explosão, electrocução, intoxicação ou lesões (como cortes);
- Que a pessoa possa manter as suas atividades significativas na cozinha da forma mais autónoma possível sem que os cuidadores estejam constantemente preocupados com a segurança.
As mudanças devem ser sempre adaptadas às capacidades e dificuldades da pessoa com demência e podem ser feitas através de simples estratégias ou recorrendo a alguns equipamentos que podem promover a segurança.
A cozinha deve ser simplificada mas, ao mesmo tempo, mantida o mais familiar possível para a pessoa com demência, pelo que a reorganização e armários, gavetas ou bancadas só deve ser feita quando existem claros benefícios.
De seguida, apresentamos uma lista de estratégias que podem ser úteis aplicar na cozinha.
Orientação e Memória
- Deixar a porta da cozinha aberta para a pessoa a identificar facilmente quando está à sua procura;
- Colocar na porta um sinal que identifique a cozinha, ao nível do olhar da pessoa, para que esta o veja claramente – uma palavra, uma fotografia, um símbolo ou uma combinação desses sinais;
- Os sinais devem ser antes discutidos com a pessoa, para perceber o que ela identifica mais facilmente como cozinha. Pode colocar-se um sinal com a palavra “Cozinha” ou com uma palavra que identifique a necessidade da pessoa quando procura a cozinha, como por exemplo “Comida”. Pode também colocar-se um símbolo de talheres ou de um prato ou mesmo uma fotografia real do interior da cozinha ou de um objeto significativo para a pessoa que lá esteja dentro, como a sua caneca habitual;
- Na cozinha, é habitual muitas coisas estarem guardadas em armários e gavetas. Como a pessoa não se recorda onde as coisas estão, é frequente a pessoa abrir e fechar esses armários e gavetas para as tentar encontrar;
- Certificar-se que armários, gavetas e bancadas estão sempre arrumados, para que seja fácil encontrar os objetos pretendidos;
- Colocar os itens maiores e mais pesados na bancada, tais como açúcar, farinha ou aparelhos, para que sejam vistos e utilizados de forma mais fácil e com menos riscos (por exemplo, evitando que a pessoa suba para chegar aos armários mais altos, diminuindo assim o risco de quedas ou acidentes);
- Limpar os armários, retirando os objetos desnecessários (ou colocando-os atrás, em segundo plano) e mantendo os mais utilizados e importantes à frente, para que sejam logo vistos;
- Colocar imagens, fotografias e palavras, ilustrando o conteúdo dos armários e gavetas, para ajudar a identificar o lá está dentro e ajudar a pessoa a encontrar aquilo que procura. Por exemplo, a fotografia de uma faca e garfo na gaveta dos talheres na cozinha, ou a palavra “Talheres” ou mesmo as palavras “Facas” “Garfos” “Colheres”;
- Caso as etiquetas não ajudem ou, com o tempo, deixem de ser úteis, experimentar comprar armários e roupeiros com portas transparentes (idealmente com vidro reforçado e antibrilho), ou mesmo remover as portas, para que a pessoa encontre mais facilmente os objetos;
- Se a pessoa já não conseguir utilizar os armários, colocar os objetos ou produtos que mais precisa na bancada ou numa prateleira – como café, chá, açúcar, pão, pratos ou copos – de forma a serem bem visíveis e de fácil acesso. Tentar que estejam na linha de visão da pessoa e que estejam agrupados por tarefa, por exemplo o cesto do pão ao pé da torradeira, a chávena ao pé do jarro elétrico, café, do açúcar, os cereais ao pé da tigela;
- Utilizar também etiquetas para identificar os conteúdos de algumas latas ou caixas que a pessoa utilize com regularidade (por exemplo, chá, bolachas ou pão);
- Proporcionar o acesso a alguns armários ou gavetas de artigos não essenciais, para que a pessoa possa remexer, se necessário para a acalmar;
- Assinalar as torneiras de forma muito clara, indicando qual é a quente e qual é a fria, ou a posição para cada uma. Experimente o que funciona melhor para a pessoa, como por exemplo:
- Assinalar as torneiras com tinta fluorescente vermelha e azul;
- Colocar autocolantes à prova de água (vermelho e azul);
- Colocar sinais indicativos em cima das torneiras se a pessoa conseguir ler. Pode ser, por exemplo, “Quente – Vermelho”, com o rebordo a vermelho e talvez uma seta a indicar a posição para rodar, caso seja necessário.
- Se a pessoa ainda estiver muito autónoma e conseguir utilizar eletrodomésticos em segurança, é importante que os eletrodomésticos estejam bem visíveis e poderá ser útil assinalar de forma clara, com etiquetas, as posições de “ligado” e “desligado”;
- Escrever instruções de como utilizar alguns eletrodomésticos mais essenciais poderá ser uma boa ideia. Poderá servir para lembrar a pessoa de usar o aparelho e sequenciar os passos necessários para o utilizar em segurança. Por exemplo:
- (1) Colocar fatia de pão na torradeira;
- (2) Carregar no botão do lado direito para baixo;
- (3) Esperar que a fatia de pão suba.
- Escrever instruções poderá também ser muito útil para lembrar a pessoa dos passos que tem que tomar para fazer determinada tarefa. Por exemplo, da esquerda para a direita, “(1) Lavar os Pratos (2) Limpar os Pratos (3) Guardar no armário com o autocolante azul”. Isto poderá ser muito útil para manter a pessoa envolvida nas atividades diárias contribuindo para a sua autoestima;
- Se utilizarmos estas instruções, devemos colocá-las num sítio de boa visibilidade que a pessoa veja mesmo sem procurar, como o frigorífico ou, idealmente, ao pé do local onde as atividades vão ser desempenhadas (por exemplo, as instruções da torradeira ao pé da torradeira). Evitar colocar demasiadas instruções pois também poderá ser confuso para a pessoa;
- Utilizar quadros de referência, ou seja, um quadro branco ou ardósia com giz afixada ao frigorífico, para servir para lista de compras, lembretes de mensagens importantes ou instruções;
- Recorrer a alarmes de temporizadores ou relógios, para recordar a pessoa para fazer alguma tarefa, como almoçar ou comer ou beber em intervalos regulares ao longo do dia. Se a pessoa estiver sozinha poderá não se recordar para que serve o alarme, pelo que será aconselhável deixar uma nota ao lado a indicar a ação que deve ser tomada (por exemplo, almoçar);
- Garantir que existe contraste de cores entre as paredes, chão, maçanetas das portas e eletrodomésticos;
- Manter mobiliário, eletrodomésticos e objetos que sejam familiares e significativos para a pessoa, o que favorecerá a sua independência. Por exemplo, substituir um copo utilizado regularmente, por uma caneca ou copo de cor diferente, poderá fazer com que a pessoa não os reconheça como copos e deixe de os usar.
Frigorífico
- Manter os produtos nos mesmo lugares de forma a serem facilmente localizados;
- Se a pessoa se esquecer com frequência de fechar o frigorífico, uma boa ideia será elevá-lo ligeiramente à frente, o que fará com que a porta se feche, caso tenha ficado aberta. Muitos dos frigoríficos mais recentes já trazem um aviso sonoro quando a porta fica aberta durante algum tempo, o que poderá ser bom para chamar a atenção quando a porta fica mal fechada, mas também poderá gerar alguma confusão na pessoa com demência caso ela não compreende o motivo do barulho;
- Verificar com regularidade o frigorífico, para retirar comida estragada ou fora do prazo de validade. Se for útil, colocar um autocolante bem visível na embalagem ou saco da comida com a data de validade ou utilizar recipientes de plástico transparentes, para que a pessoa possa ver o que está no interior e escrever com um marcador ou usar um post-it com a data a que foi colocado no frigorífico;
- Se a pessoa mexer constantemente no frigorífico e estiver a colocar a sua segurança em risco, sugere-se comprar um fecho para o frigorífico, mas que seja o mais discreto possível;
- Como o frigorífico é um local de referência na cozinha, é um bom sítio para afixar informação, seja mensagens diárias, listas de compras, informação sobre os alimentos no interior, instruções com passos para realizas determinadas atividade ou mesmo fotografias. Poderá afixar-se a informação através de um quadro de referência (quadro branco ou ardósia), post-its ou utilizar um papel afixado com um íman ao frigorífico, uma estratégia que muitas pessoas já utilizam e que, por ser familiar, poderá funcionar melhor;
- Por exemplo, poderá afixar-se um papel ou post-it para recordar a pessoa de descongelar comida ou o que deverá tirar para o almoço naquele dia. Idealmente, após a tarefa ser realizada, o post-it deverá ser retirado para não levar a pessoa a realizar novamente uma tarefa que já fez ou para não contribuir para uma estimulação excessiva que poderá aumentar a sua confusão.
Micro-Ondas
- Apesar de também ter riscos, utilizar um micro-ondas poderá ser uma alternativa menos perigosa do que utilizar o forno ou o fogão para uma pessoa com demência e até mais simples de utilizar;
- Será importante colocar perto do micro-ondas um aviso bem claro a informar que a pessoa não deve colocar recipientes de metal no interior nem talheres. Idealmente, se a pessoa ainda utilizar o micro-ondas, será boa ideia retirar os recipientes de metal da cozinha;
- Também será boa ideia colocar uma lista de instruções passo a passo para a utilização do micro-ondas. Quanto mais específicas para as tarefas habituais, melhor, e a combinação de palavras com fotografias ou imagens poderá ser bastante útil.
Fogão
- Pintar os botões do fogão, com uma tinta fluorescente verde ou vermelha pode ajudar a localizar a posição de “ligado” e “desligado” tornando mais óbvio se o botão não estiver fechado. Também se poderá colocar etiquetas sinalizando a posição de ligado e desligado;
- Colocar na parede um sinal bem destacado a relembrar para desligar o fogão (por exemplo, “Desligar o fogão” a letras vermelhas ou a preto numa folha branca com rebordo vermelho);
- Colocar na parede um sinal bem destacado com instruções simples e claras para a utilização do fogão, passo a passo, destacando a parte de desligar;
- Considerar a possibilidade de retirar ou trancar o óleo alimentar, caso a pessoa possa deixá-lo ao lume sem vigilância, de forma a diminuir o risco de um incêndio;
- Instalar um temporizador no fogão, regulando-o para um tempo médio de cozedura, após o qual o fogão se desligará automaticamente, ou então estabelecendo um tempo limite ou máximo para o fogão estar ligado;
- Alguns modelos mais recentes de fogões a gás possuem um dispositivo de segurança que corta automaticamente o gás caso não exista chama;
- Pode ser instalado um detetor de fuga de gás perto de um aquecedor a gás para detetar se o gás está ligado, mas sem chama. O detetor emite um alarme quando deteta gás e alguns desligam automaticamente o gás em caso de fuga;
- Também é possível instalar um alarme remoto que toque noutro local, como por exemplo na casa de um vizinho ou de um filho. O alarme também pode ser ligado a um telemóvel, fazendo-o tocar se detetar uma fuga;
- Para prevenir o sobreaquecimento ou incêndio, poderá colocar-se um sensor de calor por cima do fogão;
- Se a utilização do fogão colocar em risco a segurança da pessoa e de quem a rodeia e, como tal, for necessário evitar que ela o utilize, sugere-se:
- Tapar ou mesmo remover os botões;
- Colocar um interruptor de segurança para desligar o fogão num sítio discreto, como um armário alto;
- Desligar o fogão completamente.
Outros Eletrodomésticos e Aparelhos
- Tentar ter eletrodomésticos que se desliguem automaticamente;
- Utilizar aparelhos com que a pessoa esteja familiarizada e, caso seja necessário substitui-los, procurar que os novos sejam iguais, de um modelo similar ou que funcionem de forma semelhante;
- Comprar um jarro ou chaleira elétrica que se desligue automaticamente quando terminar de aquecer a água e, se possível, colocá-la afastada do fogão para evitar que, num período de maior confusão, a pessoa o coloque ao lume. Se a pessoa já não conseguir utilizar a chaleira, talvez consiga reconhecer e utilizar um termo;
- Manter a máquina de lavar loiça desligada da tomada.
Produtos e Objetos Perigosos
- Se for necessário, retirar as facas, tesouras ou quaisquer outros utensílios de cozinha afiados;
- Se for necessário, retirar os fósforo e isqueiros;
- Retirar da mesa e bancadas o álcool, molhos, temperos e outros produtos alimentares que possam causar danos se forem ingeridos;
- Retirar plantas tóxicas, plantas ou frutas artificiais ou outros elementos decorativos que a pessoa possa confundir como algo comestível. Manter a comida para animais separada do resto da comida;
- Retirar da mesa e bancadas medicamentos e vitaminas cujo consumo sem regras possa causar problemas;
- Não ter as tomadas sobrecarregadas com adaptadores duplos. Se for necessário ter muitos aparelhos ligados a uma única tomada, utilize uma extensão longa, com várias entradas, ao invés de ter vários adaptadores duplos. Melhor ainda se a extensão tiver um botão que possibilita cortar a eletricidade;
- Se necessário, colocar protetores de tomadas;
- Trancar os medicamentos e os produtos de limpeza quando a pessoa já não tem a capacidade de ler, reconhecer objetos ou distinguir esses produtos da comida ou bebida, ou se insistirem nalguma atividade repetitiva, como por exemplo alimentar um animal várias vezes. Ao retirar os objetos, a pessoa não se recordará de os utilizar;
- Alguns produtos de limpeza a retirar são:
- Detergente para a roupa, lixívia, cápsulas para a máquina de lavar ou de lavar loiça;
- Desinfetantes;
- Querosene;
- Inseticidas, repelentes, sprays, pesticidas e produtos relacionados;
- Colas, tintas, verniz, dissolventes e massas;
- Produtos para limpeza a seco;
- Comida e produtos para animais.
Outras Estratégias
- Se a pessoa já não conseguir participar nas tarefas da cozinha, e se o espaço assim o permitir, uma boa ideia poderá ser colocar uma cadeira confortável na cozinha, na qual a pessoa se possa sentar perto do cuidador enquanto este realiza as tarefas. Isso permitirá que a pessoa se sinta envolvida e continue a vivenciar as atividades, barulhos e cheiros da cozinha;
- Garantir que existe uma boa iluminação, de teto e nos armários e bancadas, que permita a pessoa realizar as tarefas de forma mais fácil;
- Se a pessoa já tiver dificuldades em cortar comida, pode experimentar-se colocar um tapete antiderrapante debaixo dos pratos ou tábuas de corte;
- Colocar uma rede no ralo para evitar que a pessoa entupa o cano do lava-loiça;
- Se possível, garantir que o chão da cozinha não é escorregadio, usando material ou tratamentos antiderrapantes, e que é mate (não brilhante) para evitar brilhos e reflexos que possam gerar confusão na pessoa;
- Se a pessoa se esquecer com frequência de fechar a torneira, uma solução poderá ser instalar torneiras que param automaticamente. Por exemplo, torneiras com sensor que só funcionam quando a pessoa passa as mãos debaixo delas, ou que se desligam passado um tempo determinado ou depois de uma quantidade específica de água ser libertada;
- Outra solução é instalarem-se válvulas que se colocam no ralo do lavatório e que são ativadas pela pressão – quando a válvula deteta determinada pressão, abre-se automaticamente e escoa a água;
- Existe também a possibilidade de instalar sensores ou detetores de inundação, que quando entram em contacto com água acionam dispositivos – por exemplo, uma sirene, ou válvulas que desligam a água de casa – ou enviam alertas para um telemóvel;
- Instalar detetores de fumo.
Conteúdo atualizado a 6 de Dezembro de 2022